R$ 2,6 trilhões. Esse é o volume que o varejo brasileiro movimenta anualmente, segundo dados recentes do IBGE. Mas por trás desse número monumental, esconde-se um paradoxo: enquanto a escala do setor cresce, a margem de manobra dos varejistas encolhe. Pressionados pela volatilidade do consumo, por uma concorrência agressiva e por clientes cada vez mais sensíveis a preço, muitos ainda baseiam suas decisões comerciais em planilhas manuais, regras fixas e uma intuição que já não acompanha o ritmo do mercado. Em um mercado tão dinâmico, precificar mal não é apenas perder rentabilidade — é correr o risco de ficar para trás.
Para solucionar esse gap, algumas empresas estão olhando para novas tecnologias que tornam a precificação mais inteligente: o uso de tecnologias como inteligência artificial, análise preditiva e automação para ajustar preços de forma dinâmica, baseada em dados reais de comportamento de consumo, concorrência, demanda e até variáveis externas como clima ou sazonalidade. O objetivo é simples, mas ambicioso: tomar decisões mais rápidas, embasadas e lucrativas.
Percepção de preços é estratégia pura
Historicamente, o varejo sempre tratou o preço como um ponto de fricção entre custo e competitividade. Mas a maturidade digital do consumidor e a multiplicação dos canais de compra mudaram o jogo. O cliente compara preços em tempo real, cruza ofertas entre apps e marketplaces, e espera consistência – visão omnicanalidade.
Nesse novo ambiente, o preço deixa de ser apenas um número impresso na gôndola e passa a operar como um instrumento estratégico de posicionamento, margem e fidelização. E isso exige mais do que remarcações semanais ou promoções genéricas. Exige uma engenharia de preços capaz de antecipar variações de demanda, reagir a movimentos da concorrência em minutos e adaptar margens produto a produto, loja a loja, canal a canal.
Estudos da McKinsey indicam que empresas que adotam algoritmos dinâmicos de precificação aumentam a receita entre 5% e 15%, com elevação média de até 5 pontos percentuais na margem bruta. Já a Accenture aponta que a aplicação de inteligência artificial em estratégias de pricing melhora a acurácia de previsão de demanda em mais de 20%, reduzindo rupturas e promoções mal calibradas. No Brasil, a Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo (SBVC) inclui a inteligência de preços entre os cinco pilares tecnológicos mais relevantes para o varejo nos próximos anos.
O segredo, justamente, está no uso de dados para identificar oportunidades invisíveis aos modelos tradicionais – seja subindo preços onde a elasticidade permite, seja reduzindo em momentos estratégicos para acelerar giro ou enfrentar promoções da concorrência.
O colapso da planilha e o novo ciclo do preço
O grande gargalo para essa transformação ainda é a operação. Muitas empresas tentam aplicar regras de precificação usando planilhas, processos manuais e sistemas fragmentados. O resultado são horas perdidas consolidando arquivos, testando fórmulas, corrigindo erros e recomeçando ciclos de análise — tudo isso num varejo que exige decisões em tempo real.
Com a automação e a inteligência de dados, o ciclo de precificação pode finalmente sair do modo reativo. Plataformas modernas conseguem processar milhões de dados por dia, incluindo comportamento de compra, estoque, indicadores macroeconômicos, histórico de vendas, rupturas e até geolocalização para recomendar, testar e aplicar alterações de preço de forma instantânea e auditável.
A diferença é brutal: o que antes levava dias para ser simulado, agora pode ser recalculado em minutos. E mais do que velocidade, o modelo traz governança: regras claras, parametrização inteligente, rastreabilidade de decisões e consistência entre os canais.
Inteligência artificial como aliada, não substituta
A sofisticação desses modelos é cada vez maior, mas especialistas alertam: precificação inteligente não é delegar o preço a um robô, e sim criar um ecossistema onde dados, algoritmos e análise humana trabalham juntos. A IA traz o cálculo, a escala, a capacidade preditiva. Mas a decisão final – aquela que envolve marca, valor percebido e estratégia de longo prazo – ainda depende de inteligência de negócio.
É por isso que os times comerciais mais maduros têm deixado de operar no Excel para assumir um novo papel: de estrategistas de preço. Eles não mais calculam manualmente o valor de cada produto, eles definem objetivos de margem, faixa de posicionamento, clusters de loja e perfis de consumidor. O sistema executa, testa e retroalimenta o modelo com resultados. A equipe ajusta, interpreta e projeta novos caminhos.
Outro elemento-chave da precificação inteligente está na execução de ponta a ponta. Não basta calcular o preço ideal: é preciso garantir que ele chegue ao ponto de venda com precisão, rapidez e rastreabilidade. Isso significa integração nativa com o ERP, comunicação direta com o PDV, sincronização com etiquetas eletrônicas ou plataformas de e-commerce, e fluxos claros de aprovação.
Empresas que dominam esse fluxo completo conseguem implementar estratégias de microprecificação por região, horário ou perfil de loja, mantendo controle centralizado, consistência nacional e capacidade de reação. Esse nível de agilidade torna o varejista mais responsivo ao mercado, mais assertivo nas promoções e mais eficiente na gestão de margem.
E não se trata apenas de lucro: o impacto aparece também na experiência do cliente, que encontra preços coerentes, transparentes e atualizados em todos os canais. Isso reduz atrito, aumenta conversão e fortalece a confiança na marca.
O futuro: A nova era da precificação
O varejo brasileiro está diante de um divisor de águas. De um lado, os modelos antigos de precificação baseada em histórico, feeling e ferramentas isoladas. Do outro, uma abordagem orientada por dados, que transforma o preço em um organismo vivo — que aprende, se adapta e reage com velocidade e precisão. Para quem lidera o setor, a escolha é clara: preço não é mais custo + markup. Preço é inteligência, timing e contexto.
A adoção de precificação inteligente ainda é desigual entre os players, mas o mercado aponta uma tendência inevitável: quem internalizar essa competência como disciplina estratégica – e não como solução pontual – terá condições de proteger margem, ganhar escala e crescer de forma sustentável. Não se trata apenas de vender mais. Trata-se de vender melhor, com mais inteligência e mais resultado.
E nesse novo jogo, os centavos fazem diferença porque, multiplicados por milhões de transações, são eles que definem quem lidera e quem tenta recuperar o fôlego.
Por Fernando Menezes, Executivo de Precificação Inteligente da Selbetti.

