A França acendeu um alerta global ao aprovar uma legislação que mira diretamente plataformas como Shein e Temu, líderes mundiais no e-commerce de ultra baixo custo. Com um modelo baseado em produção acelerada, publicidade massiva e preços quase imbatíveis, essas empresas conquistaram consumidores, mas também levantaram críticas por práticas ambientais, trabalhistas e comerciais. Agora, o governo francês busca tornar essas operações menos vantajosas, impondo taxas, multas e restrições específicas. O movimento não é isolado: revela um reposicionamento estratégico da Europa frente à crescente influência do varejo digital chinês.
Entre as medidas já adotadas, destaca-se a multa de €40 milhões aplicada à Shein por ofertas enganosas e alegações ambientais sem comprovação, segundo o Wall Street Journal. Além disso, uma nova lei aprovada pelo Senado francês em junho de 2025 prevê taxas ambientais de até €10 por peça vendida até 2030 e proíbe influenciadores de promover produtos de ultra fast fashion. A justificativa oficial é reduzir o impacto ambiental e conter o hiperconsumo, mas especialistas veem também um movimento político para proteger a indústria local e responder à crescente pressão de entidades ligadas ao clima e aos direitos trabalhistas.
A estratégia francesa também atua em outra frente: dificultar o modelo logístico que sustenta a vantagem de custo desses aplicativos. O governo propôs à União Europeia a cobrança de taxas sobre pacotes de valor inferior a €150, atualmente isentos. Como Temu e Shein dependem fortemente de pequenos envios internacionais para escapar da tributação convencional, a medida pode reduzir drasticamente sua competitividade. Paralelamente, o Alibaba, dono da Temu, enfrenta investigações da UE sobre transparência de dados e segurança do consumidor, o que aumenta a pressão regulatória sobre a big tech chinesa.
A questão central é se essas plataformas conseguirão adaptar seu modelo de negócios a um ambiente regulatório mais rígido. Embora a Shein tenha prometido investir €13 milhões em conformidade e segurança, ainda pairam dúvidas sobre sua capacidade de operar com as mesmas margens quando confrontada com regras ambientais, fiscais e comerciais mais duras. Analistas alertam que o sucesso dessas plataformas se baseia, em grande parte, na fragilidade dos sistemas de regulação — e que, quando essas brechas se fecham, a vantagem de preço pode desaparecer.
Segundo Rebecca Fischer, co-fundadora e Chief Strategy Officer (CSO) da Divibank, mais do que uma disputa comercial, o que está em jogo é o próprio futuro do consumo digital. “A ofensiva da França sinaliza um desejo de redesenhar as regras do e-commerce global, elevando os custos sociais e ambientais do que antes era vendido como acessível e democrático. Para as marcas chinesas, o desafio é claro: ou reinventam sua operação para atender às novas exigências internacionais, ou verão sua expansão global desacelerar. No fim das contas, o consumidor, atraído por preços baixos, terá que decidir o quanto está disposto a pagar por conveniência — e o quanto exige em responsabilidade”, afirma.