Desde o ano passado a normalização de furtos em lojas físicas tomou conta da Internet. Nas redes sociais, hashtags como #mirtilar #cleptogirls ou #cleptotwt apontam conteúdos baseados em furtos dos mais variados, os quais os internautas publicam com orgulho. A ideia de transgredir o sistema com pequenos furtos e ainda postar na web gerou uma incômoda romantização de uma prática criminosa.
E, se essa tendência ganhou espaço na internet, seria um engano pensar que o e-commerce estaria livre de práticas similares. Não é de hoje que se vê consumidores tirando vantagem do varejo online por meio do abuso das políticas comerciais das lojas. Entretanto, segundo a Signifyd, empresa global de tecnologia antifraude no e-commerce, os abusos do consumidor vêm crescendo.
Um exemplo frequente de abuso do consumidor acontece nas devoluções. Este tipo de abuso consiste em se aproveitar das políticas de devolução de produtos, de uma comodidade justa, criada pelos canais de e-commerce com grande investimento em logística e automação para facilitar a experiência de compra.
Há uma linha tênue entre os abusos de devolução e as fraudes de devolução, mas ambos prejudicam o e-commerce à medida que consumidores e fraudadores exploram brechas para obter produtos gratuitamente ou recuperar dinheiro de forma indevida. Confira algumas manobras:
- Wardrobing: comum no setor de moda, o cliente compra um produto, usa e depois devolve como se fosse novo.
- Bracketing: o cliente compra várias versões do mesmo produto, prova e devolve as que não quer, deixando o lojista com os custos de envio e processamento.
- Troca fraudulenta: devolução de um item falsificado ou danificado no lugar do original.
- Chargeback de devolução: o cliente solicita o estorno do pagamento alegando que devolveu o produto, mas o lojista não recebe o item.
- Devolução vazia: envio de uma caixa sem o produto ou contendo um objeto irrelevante, como um tijolo ou uma batata, para burlar o sistema de reembolsos.
“Os varejistas online investem em tecnologia e logística para sanar os problemas de devolução e assim fidelizar os clientes com melhores experiências de compra. Segundo pesquisa da Signifyd, em 2025, 7 em cada 10 brasileiros já precisaram devolver um produto. Este é um movimento que faz parte do e-commerce. No entanto, essa operação, que já custa caro para o comércio eletrônico, se torna um problema grave quando consumidores se aproveitam para praticar abusos, sem imaginar o tamanho do prejuízo que vem se acumulando”, analisa Laís Lima, diretora de marketing Latam da Signifyd.
O impacto para o varejo é significativo: em 2023, os varejistas globais arcaram com custos de devoluções de aproximadamente US$700 bilhões; somente nos EUA o prejuízo foi de US$103 bilhões. A previsão global é que esse número aumente para US$1 trilhão até 2030, segundo estimativas da National Retail Federation e da Appriss Retail, que analisam o impacto financeiro das devoluções no e-commerce.
Nem toda devolução é maliciosa e, às vezes, pode vir de hábitos considerados lícitos pelos consumidores, como o já citado bracketing. “É difícil para lojas online rastrearem abuso de devolução pois eles vêm de clientes legítimos”, explica Laís.
Segundo pesquisa Signifyd no Brasil, 9% dos brasileiros já compraram um produto mesmo sabendo que iriam devolvê-lo, e 89% deles acham esse movimento normal.
“É difícil para lojas online rastrearem abuso de devolução pois eles vêm de clientes legítimos”, explica Laís. “Além disso, o e-commerce ainda deve lidar com fraudadores que parecem compradores legítimos pelos métodos sofisticados que usam, a falta de dados unificados e de inteligência dos sistemas, e o medo de prejudicar a experiência do cliente. Uma somatória de fatores que torna muito complexo evitar prejuízos com as devoluções online”, completa.
Essas tendências apontam para um novo desafio para as marcas que vendem online: para descomprimir as margens de seus negócios e melhorar oportunidades de crescimento, elas precisam equilibrar inovação e proteção contra fraudes sem prejudicar a experiência dos bons clientes, que esperam trocas e devoluções rápidas e sem burocracia.
Práticas como: política de devolução clara e estruturada; autenticação das devoluções; e taxas de reabastecimento para produtos de alto valor podem ajudar a reduzir os golpes. No entanto, somente um monitoramento de padrões de devolução que identifica consumidores com histórico suspeito de devoluções abusivas ou fraudulentas torna o e-commerce capaz de detectar padrões anômalos e prevenir abusos.
Este monitoramento é possível por meio de soluções baseadas em IA e tecnologia de dados, que entregam inteligência sobre devoluções e ações proativas de prevenção de perdas. “Uma política de devolução eficiente não significa apenas aceitar devoluções sem critérios. O uso da tecnologia é hoje o maior aliado neste grande desafio que é diferenciar consumidores legítimos de fraudadores e garantir a proteção do e-commerce sem prejudicar a experiência do cliente, não só durante a compra, mas também no pós-compra”, reforça Laís.