A chamada carreira em Y vem se consolidando como uma alternativa para profissionais técnicos que desejam evoluir na hierarquia organizacional sem, necessariamente, assumir funções de gestão. O modelo foi desenvolvido no final dos anos 1970, por empresas norte-americanas de tecnologia e engenharia, que buscavam evitar a perda de especialistas promovidos a cargos para os quais não tinham perfil ou interesse.
“O conceito surgiu para resolver um dilema clássico: empresas perdiam seus melhores técnicos ao promovê-los a líderes, o que resultava em profissionais infelizes e equipes desmotivadas”, explica Virgilio Marques dos Santos, sócio-fundador da FM2S Educação e Consultoria, gestor de carreiras e PhD pela Unicamp. “Na prática, forçava-se uma migração de competência: do saber técnico para o saber político-organizacional. E nem todo mundo quer, ou precisa, fazer esse movimento para ter uma carreira bem-sucedida.”
A metáfora da carreira em Y indica uma bifurcação: um caminho direciona para a gestão de pessoas e outro para a especialização técnica. “O modelo reconhece que há múltiplas formas de liderar. O conhecimento técnico profundo é uma delas”, afirma Santos. Mas é importante lembrar: isso exige uma mudança cultural significativa nas organizações, que muitas vezes ainda associam liderança exclusivamente ao comando hierárquico, e não à influência pelo saber.
Enquanto a trilha gerencial exige competências como liderança, negociação e administração de equipes, a vertente técnica valoriza a especialização, a inovação e o papel de referência dentro da organização. Para que a proposta seja efetiva, é necessário que ambas as trajetórias sejam igualmente reconhecidas. “Quando o especialista técnico é remunerado e valorizado de forma inferior ao gestor, a empresa apenas reforça a hierarquia tradicional com um nome novo. Implantar a carreira em Y de forma autêntica demanda revisão de políticas de remuneração, criação de critérios claros de progressão e programas consistentes de desenvolvimento técnico — e não apenas discurso”, destaca Santos.
Desafios e avanços no Brasil
Em setores como a indústria automobilística e a tecnologia, a carreira em Y já está consolidada, com especialistas que possuem remuneração e status comparáveis aos de diretores e vice-presidentes. No Brasil, contudo, a adoção do modelo ainda avança de forma desigual. “Em muitas organizações brasileiras, a ascensão continua vinculada à quantidade de pessoas sob comando, um resquício do modelo fordista e militarizado do século XX”, observa Santos.
Apesar desse cenário, ele aponta sinais de transformação. Startups e multinacionais têm implementado trajetórias profissionais mais estruturadas, conectadas a certificações técnicas, participação em fóruns internacionais e reconhecimento por patentes e publicações. “A escassez de mão de obra qualificada em áreas como ciência de dados, automação e saúde tem impulsionado a valorização dos especialistas”, analisa Santos. “E mais: com o avanço da inteligência artificial e da automação, a demanda por especialistas capazes de resolver problemas complexos e propor inovações técnicas só tende a crescer.”
Para ele, o futuro do trabalho depende da diversificação das trilhas de crescimento. “Não podemos forçar todo bom técnico a virar um gestor medíocre, nem desvalorizar quem escolhe liderar pessoas. O talento técnico é estratégico e inovar é tão importante quanto comandar. A carreira em Y é um convite à maturidade organizacional: reconhecer que conhecimento, especialização e capacidade analítica são tão decisivos para o sucesso quanto a habilidade de liderar equipes”, conclui Santos.