A expansão da inteligência artificial no atendimento criou um efeito colateral silencioso: consumidores estão exigindo mais autonomia, não necessariamente mais tecnologia. É o que observa João Paulo Ribeiro, CEO do Grupo Inove e especialista em cultura de atendimento, ao analisar transformações recentes em operações de grandes empresas brasileiras. Segundo ele, a próxima fronteira da experiência do cliente não está na velocidade da resposta, mas na sensação de controle sobre a própria jornada.
“O cliente só confia quando entende que continua no comando. A automação que não respeita isso vira obstáculo, não solução”, afirma. Com 14 anos de atuação à frente de operações complexas, Ribeiro percebe um padrão claro, empresas que avançaram rápido demais na digitalização criaram ciclos de dependência entre humano e máquina, congestionando operações e fragilizando a relação com o consumidor.
A tendência, segundo ele, é o surgimento de modelos que oferecem rotas alternativas dentro dos fluxos automatizados. “Não se trata de criar atalhos, mas de devolver ao cliente o poder de decidir quando quer resolver sozinho e quando quer ser atendido por alguém”, explica.
O novo consumo é com menos passividade, mais participação
Ribeiro afirma que um dos erros mais recorrentes das empresas é acreditar que consumidores desejam jornadas totalmente autônomas. O que eles buscam, na prática, é participação ativa. Ele observa esse movimento em setores como varejo, saúde, delivery, aviação e serviços financeiros.
“A automação tem sido construída com foco na empresa, não no cliente. Quando o consumidor entra em um fluxo que não permite intervenção, ele entende que perdeu autonomia e é aí que nasce a frustração”, diz.
Esse fenômeno, de acordo com o especialista, explica o aumento de reclamações sobre bots que impedem o contato humano, URAs que funcionam como labirinto e aplicativos que escondem opções essenciais. “A automação não pode sequestrar a experiência. Ela precisa devolver clareza e liberdade”, resume.
O risco oculto do excesso de dependência da IA
Ribeiro alerta que parte das empresas já enfrenta um novo problema operacional, jornadas inteiras que só funcionam se a IA funcionar perfeitamente. Isso cria dependência crítica, especialmente em momentos de alto volume, lançamentos de produtos, crises ou picos sazonais.
Segundo o CEO, esse modelo gera prejuízos intangíveis porque fragiliza o elemento que deveria ser mais protegido, a confiança. “Quando todo o atendimento depende da IA, um pequeno erro vira caos. E o caos não escala”, afirma.
Ele recomenda que empresas adotem desenhos de jornada com dupla arquitetura, em que IA e humano coexistem como caminhos paralelos e seguros. “O cliente precisa sentir que existe porta de saída, e não apenas porta de entrada”, diz.
O cliente quer eficiência, mas não quer ser tutelado
Ribeiro propõe que o mercado adote um novo conceito, automação empática, modelo que une autonomia, clareza e ritmo personalizado. Em vez de uma jornada que empurra o cliente para onde é eficiente para a empresa, a automação empática cria trilhas flexíveis com base em três pilares:
- Liberdade de escolha — o cliente decide quando continua no fluxo automatizado ou aciona um humano;
- Transparência de caminho — a jornada deixa explícitas as alternativas disponíveis;
- Interação contextual — IA e humano compartilham o mesmo entendimento sobre o caso, sem reinício de histórico.
Para o especialista, essa abordagem reduz atritos, aumenta a confiança e transforma o atendimento de centro de custo em gerador de valor. “A automação que respeita o cliente não é a que responde rápido. É a que não obriga o consumidor a aceitar uma experiência que ele não pediu”, afirma.
Para onde o setor caminha agora
O diagnóstico de Ribeiro é que o Brasil está entrando em uma fase de reajuste cultural da automação. Após anos de digitalização acelerada, empresas começam a entender que rapidez sem coerência não entrega experiência, apenas volume.
Ele observa que operações mais maduras já estão reconstruindo fluxos para permitir:
- retomada humana imediata em casos críticos;
- IA que apoia, mas não controla a jornada;
- redução de camadas ocultas dentro dos canais digitais;
- análises contínuas de percepção, não apenas de produtividade;
- modelos de roteamento que priorizam a intenção do cliente antes de categoria do problema.
“A próxima vantagem competitiva está na automação que devolve voz ao cliente. Tudo que tira autonomia enfraquece a marca. Tudo que devolve a autonomia fortalece”, conclui.

