O brilho das promoções da Black Friday costuma se apagar rápido quando chegam as faturas e os boletos de início de ano. Entre gastos por impulso e renda extra temporária, muitos consumidores entram em janeiro já endividados — e esse efeito em cascata pressiona não apenas as famílias, mas também o caixa de varejistas e fornecedores. Para se ter uma ideia, em 2024 as vendas no varejo físico cresceram 17%, e o e-commerce avançou 9% em relação a 2023, superando patamares pré-pandemia, de acordo com o Índice Cielo do Varejo Ampliado.
Isso significa que a Black Friday é uma data poderosa para tracionar vendas, mas que também pode levar muitos a comprar por impulso e gastar mais do que podem pagar. O problema é agravado porque o final do ano costuma trazer renda extra temporária, como 13º salário e bonificações, dando falsa sensação de folga financeira. Em janeiro e fevereiro, o consumidor tem que lidar com uma avalanche de contas inadiáveis, que incluem impostos, escola dos filhos, entre outros compromissos.
De fato, o número de consumidores com contas atrasadas cresceu consistentemente entre novembro de 2024 e março de 2025. Em novembro passado, eram 68,62 milhões de inadimplentes (41,51% da população adulta), subindo para 69,66 milhões em março, o equivalente a 42,01% da população adulta, de acordo com a Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) e do Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil).
Impactos para a inadimplência B2B
O aumento da inadimplência pós-Black Friday repercute também nas relações B2B, especialmente entre grandes redes varejistas e seus fornecedores. Isso ocorre porque, se o consumidor final atrasa ou dá calote, o varejista pode enfrentar um aperto de caixa e atrasar pagamentos de pedidos feitos a fabricantes e distribuidores.
Empresas que oferecem crediário próprio ou parcelamento sem intermediários acabam carregando em seu balanço a carteira de recebíveis dos clientes finais e, se muitos desses clientes não pagam, o prejuízo é direto. Já no caso de vendas via cartão de crédito, embora o risco de crédito seja do emissor, o varejista pode ser afetado indiretamente pela menor liquidez, e por custos financeiros mais altos.
Um varejista com dificuldades vai buscar alongar prazos com fornecedores ou até suspender temporariamente pagamentos, transferindo o problema adiante na cadeia. Para os fornecedores, o acúmulo de débitos a receber atrapalha ou até interrompe o fluxo de caixa da empresa fornecedora.
Uma estratégia sempre necessária para empresas fornecedoras é gerenciar os riscos com eficiência por meio do fortalecimento da análise de crédito preventiva. Esta é a primeira linha de defesa contra a inadimplência, que deve ser feita de forma rigorosa antes mesmo de conceder prazos e limites de compra aos varejistas. No contexto de uma Black Friday, muitos fornecedores ampliam estoques e oferecem condições especiais para aproveitar a alta demanda, contudo, é preciso fazer isso de maneira seletiva e coordenada.
Outra recomendação é observar o comportamento de pagamento logo nas primeiras parcelas ou faturas após a Black Friday. Se o cliente varejista começar a atrasar já em dezembro ou janeiro, isso acende um sinal de alerta para o fornecedor intensificar o acompanhamento.
Ferramentas de inteligência de crédito podem ser grandes aliadas nesse processo preventivo. Ao utilizar dados de bureaus e indicadores setoriais, fornecedores conseguem identificar rapidamente sinais de alerta em seus clientes varejistas, como aumento de passivos, concentração de dívidas ou histórico recente de atrasos.
Decisões baseadas em dados tendem a tornar a concessão de crédito mais precisa e evitar novos atrasos, sobretudo em um cenário em que a inadimplência das famílias pressiona diretamente o caixa das grandes redes. Análises preventivas de crédito B2B não são apenas uma medida de prudência, mas um recurso estratégico para garantir a sustentabilidade das relações comerciais em períodos de maior risco, como o pós-Black Friday.
Efeitos das ações ágeis de cobrança no pós-venda
Mesmo com uma análise preventiva robusta, é inevitável que atrasos ocorram. Por isso, a segunda linha de defesa é uma estratégia de cobrança ágil e efetiva logo após a Black Friday. Aqui, a regra de ouro é: não procrastinar frente a um atraso.
Estudos demonstram que quanto mais cedo se age, maior a chance de receber. Segundo o Índice Global de Recuperação de Crédito B2B (IGR), 82% das dívidas com até 10 dias de atraso são recuperadas, entre 11 e 20 dias, a recuperação cai para 70%, porém, quando o atraso passa de 20 dias, a taxa de recuperação tende a ficar abaixo de 50%. Ou seja, dívidas B2B que ultrapassam três semanas de atraso entram em uma zona crítica em que praticamente metade já não se recupera mais. Esse dado evidencia a importância de reagir prontamente a partir do monitoramento do calendário de pagamentos para evitar picos de inadimplência, acionando a cobrança assim que ocorrer o atraso.
Na prática, isso significa ter uma régua de cobrança bem definida no pós-Black Friday. Se o título venceu hoje e não houve pagamento, amanhã mesmo já deve partir um aviso amistoso ao cliente. Muitas vezes, um simples aviso pode resolver, especialmente após o período de vendas intensas, em que o comprador pode ter se desorganizado em meio a tantos pagamentos. Uma estratégia preventiva de cobrança é enviar lembretes de pagamento poucos dias antes do vencimento e imediatamente após a data, já que uma parcela dos atrasos iniciais está ligada a esquecimentos ou pequenos desencontros administrativos.
Passados 30, 60 dias, a probabilidade de não receber cresce exponencialmente, e a empresa precisa decidir até quando é viável esperar antes de tomar ações jurídicas. Nesse sentido, ter políticas claras de crédito e cobrança ajuda a evitar decisões emocionais ou tratamento inconsistente entre clientes.
Avanços da tecnologia facilitam a recuperação de crédito
Lidar com um volume alto de cobranças simultâneas, algo comum após grandes períodos promocionais, pode sobrecarregar as equipes de crédito. Felizmente, a tecnologia é uma aliada para tornar esse processo mais eficiente e até melhorar as taxas de sucesso. Segundo dados do IGR, hoje mais da metade (54%) dos acordos de renegociação de dívidas são fechados por meio de canais digitais, com destaque absoluto para o WhatsApp, utilizado em 45% das negociações bem-sucedidas. Também cresce o papel da automação, com cerca de 10% dos acordos sendo feitos com recursos de IA.
Na cobrança digital, há ainda os benefícios trazidos pela riqueza de dados gerados. Ao usar sistemas informatizados, é possível monitorar em tempo real quais clientes visualizaram a mensagem, clicaram no link de pagamento, ou responderam com alguma dúvida. Com essas informações, a equipe de cobrança pode fazer uma gestão mais inteligente, identificando quais devem seguir no fluxo automatizado e quais precisam escalar para uma ligação telefônica.
No fim, o sucesso da Black Friday não se mede apenas pelo volume de vendas, mas pela capacidade das empresas de transformar esse faturamento em receita líquida. Investir em análise de crédito preventiva, estruturar uma régua de cobrança consistente e adotar ferramentas digitais de monitoramento é o que separa crescimento sustentável de ilusão passageira. A data pode ser um motor de expansão ou uma porta de entrada para a inadimplência — a diferença está na gestão.
Por Alessandro Holthausen, gerente de Customer Sucess & Relacionamento da Global