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O colapso do funil linear diante da nova jornada do consumidor

Eu deixei de enxergar a jornada do consumidor como uma escadinha há muito tempo. O consumidor não desce um funil previsível, ele se move em loops entre descoberta e avaliação, guiado por vieses cognitivos, comparando marcas em múltiplas fontes, pulando etapas e voltando quando quer. O Google chama esse movimento de messy middle: um meio caótico onde exploração e avaliação se sobrepõem e definem quem conquista a preferência final. Não se trata de uma exceção no consumo B2C.  

A McKinsey já mostrou que a saída do funil clássico levou a caminhos circulares de decisão, e o Gartner reforça que, no B2B, 75% dos compradores preferem uma experiência sem vendedor, retornando várias vezes às tarefas de validação, análise e escolha. No plano dos canais, a linearidade é ainda mais insustentável: em um estudo com 46 mil consumidores, 73% usaram múltiplos pontos de contato na mesma jornada, enquanto o marketing opera, em média, em dez canais ao mesmo tempo. A realidade é omnicanal, e a complexidade é inevitável. 

O que isso exige das lideranças é a coragem de substituir a metáfora do funil por uma visão viva e adaptativa da jornada. Isso começa por dados em tempo real, porque jornadas que mudam a cada clique não podem ser lidas com relatórios defasados. Ainda hoje, cerca de dois em cada cinco times não têm acesso a dados vivos para funções críticas, e apenas 31% estão satisfeitos com a unificação de fontes. Isso se soma à subutilização crônica do martech: líderes reportam usar apenas um terço das ferramentas disponíveis, e a frustração operacional frequentemente empurra times de volta ao velho funil, porque é mais simples de gerir, ainda que seja ilusório.  

E existe ainda a questão da governança: com as idas e vindas sobre o futuro dos cookies de terceiros, a transição para dados primários e consentimento granular não é mais uma escolha, mas uma necessidade para quem deseja sustentar personalização em escala. A provocação é clara: se um dashboard premia CPC e MQL, mas ignora o tempo de consideração no loop, não estamos gerenciando jornadas reais, mas apenas táticas de canal. 

A inteligência artificial pode ser a chave para romper essa prisão mental do funil. Ela tem o potencial de transformar jornadas em sistemas adaptativos, capazes de decidir, aprender e criar conteúdo em tempo real. O conceito de Next Best Action permite que marcas escolham o próximo passo individualmente para cada consumidor, orquestrando canais de forma contextual.  

Agentes de IA podem substituir campanhas engessadas, guiando o cliente em conversas contínuas do interesse ao pós-venda. A medição de impacto também muda: experimentos combinados a modelos de mix de marketing ajudam a calibrar incrementos de canal, corrigindo vieses de atribuição. O efeito é prático: interações deixam de empurrar clientes por um trilho e passam a se ajustar a cada evidência de comportamento, algo que já se reflete em números expressivos — só no último pico de temporada, quase 20% das compras online foram influenciadas por IA, tanto por recomendações, ofertas ou interações conversacionais. Jornada dinâmica não é prometer personalização, é provar que a próxima ação muda porque o consumidor mudou agora. 

Ainda assim, quatro barreiras costumam travar as empresas. A primeira é cultural: enquanto o funil for o KPI oficial, times otimizarão relatórios, não jornadas vivas. Existe a barreira estrutural, onde dados fragmentados e atrasados inviabilizam orquestração. A terceira é tecnológica: usar apenas 33% do stack mantém ferramentas como desculpa para não avançar. E a quarta está na confiança, pois com métricas frágeis, poucos líderes autorizam abandonar um modelo que, embora falho, transmite sensação de controle. A isso se soma a complexidade regulatória e o peso da mudança organizacional, uma vez que menos de 40% das transformações digitais batem suas metas, o que mostra que cultura e talento pesam mais que a tecnologia. 

O caminho que enxergo para virar esse jogo passa por trocar etapas fixas por jobs do cliente, aceitar o loop como regra e reorganizar experiências a partir dele. Dados de primeira parte devem ser tratados como produto e unificados em um núcleo acionável, reduzindo o tempo entre sinal e ação. Campanhas precisam evoluir para missões de agentes inteligentes, que conectam dados, decisões e conteúdo em jornadas contínuas. A medição deve se libertar do último clique, substituída por incrementos comprovados. E os objetivos precisam migrar de cliques para valor de negócio: receita, margem, custo de servir. Pesquisas da McKinsey e da BCG já mostram a correlação direta entre maturidade em personalização e crescimento sustentável. 

O colapso do funil linear não é o fim de uma era, mas o convite a um novo modelo mental. A vantagem competitiva não virá de prever o caminho, e sim de responder melhor ao que o cliente acabou de fazer. Quem mede lift todo mês, aprende toda semana e decide todo dia que não precisa de um funil para se orientar. Precisa de um sistema vivo e de líderes preparados para assumir que, no fundo, a jornada é tão fluida quanto o próprio consumidor. 

Adilson Batista
Adilson Batista
Adilson Batista é especialista em inteligência artificial .
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