Estamos a dois meses da Black Friday, mas quero lembrar. Desconto não é estratégia, é sangramento disfarçado de oportunidade. E o Brasil precisa parar de romantizar prejuízo. Você, varejista, está mesmo ganhando ou apenas sobrevivendo à data?
Em novembro a loja pinta a vitrine com letras garrafais, o e-commerce aquece os servidores e as redes sociais viram um frenesi de “compre agora ou perca pra sempre”. Tudo parece festa, mas nos bastidores o que existe é outro cenário: líderes esgotados, equipes no limite, logística implorando reforço, produtos encalhados sendo vendidos como “exclusividade” e margens evaporando em nome de um faturamento ilusório.
E uma pergunta ignorada por quase todos: “Vale a pena?” Na maioria dos casos, não vale e sobre isso que ninguém quer falar.
A Black Friday nasceu nos Estados Unidos como um movimento para impulsionar vendas após o Dia de Ação de Graças. Chegou ao Brasil sem contexto, sem cultura, sem maturidade e virou uma distorção.
Aqui, o que chamamos de “Black Friday” é, na verdade, uma mistura de queima de estoque mal-feita, desespero por caixa, manipulação de preços pré-evento e tentativa frustrada de parecer competitivo com gigantes globais.
O resultado? Milhares de empresas pequenas e médias sacrificando o mês de dezembro, o primeiro trimestre do ano seguinte, e o próprio posicionamento de marca — por 48 horas de euforia e seis meses de ressaca.
Em minha experiência, vivenciei vários casos emblemáticos na Black Friday, como um em que a empresa que bateu recorde e quase faliu. Acompanhei uma loja de móveis planejados que preparou sua Black Friday por três meses.
A companhia criou kits com 40% de desconto, investiu pesado em mídia e bateu o maior faturamento em 12 anos de operação. Mas, não conseguiu entregar. O prazo médio de montagem dobrou, clientes cancelaram, custos com retrabalho, logística reversa e ações judiciais explodiram. O resultado foi um prejuízo de aproximadamente R$ 1,1 milhão. Tudo porque esqueceram do básico: lucro não se mede pelo que entra, mas pelo que sobra.
Outra situação marcante foi um e-commerce que prometeu demais e colheu caos. Uma loja de produtos eletrônicos lançou uma campanha de “Frete Grátis + 70% off” em 2024. O que aconteceu? O servidor caiu, pedidos duplicaram, teclados esgotaram, mas continuaram sendo vendidos. No Reclame Aqui, a empresa saltou de 4,1 para 2,3 em reputação em 12 dias e o SAC virou linha de guerra, com devoluções que custaram o triplo da economia oferecida ao cliente. Quatro meses depois, no ano seguinte, a empresa fechou duas unidades físicas para recompor o caixa.
Quem ganha dinheiro real na Black Friday? Quem tem controle absoluto sobre margem líquida real, não “sentimento de margem”; curadoria de estoque (e não só estoque sobrando); experiência de entrega impecável; time treinado em pós-venda e recuperação de confiança; campanha com objetivo claro: lucratividade ou aquisição de novos clientes — nunca os dois ao mesmo tempo.
Quem lucra é quem vende com consciência. Quem finge lucrar é quem vende com desespero.
Do outro lado, temos o consumidor. Na teoria, ele está ganhando. Mas, na prática, muitas vezes está sendo vencido por estratégias psicológicas pensadas para desencadear impulso. Escassez, urgência, contagem regressiva, “só mais 4 unidades”, “última chance”.
Tudo isso combinado com um boleto no dia 10 e uma falsa sensação de “merecimento”. A Black Friday explora a ansiedade financeira, o medo de ficar para trás e o prazer momentâneo da compra como fuga emocional.
Resultado? Em geral, até 45 % dos brasileiros admitem já terem comprado pela internet por impulso e se arrependido depois e apenas 8 % compraram por impulso em promoções que realmente prezavam pela necessidade, o que indica que impulsividade existe, mas não domina os números.
Importante trazer um último exemplo que com certeza alguém vai se identificar, que foi a armadilha das parcelas invisíveis. Na última Black Friday, um amigo decidiu aproveitar uma promoção “imperdível” de ar-condicionado, notebook e smartwatch em um determinado marketplace. Comprou tudo parcelado em 12 vezes no cartão de crédito e em março do ano seguinte, não conseguiu manter as parcelas e entrou no cheque especial. O que era “promoção” virou endividamento em três meses.
Em resumo, a Black Friday pode ser um perigo para o varejista que acompanha a “onda” para fazer frente aos seus concorrentes. Portanto, cuidado, o que pode parecer uma oportunidade de crescimento, na verdade, pode ser um cenário de grandes prejuízos.
*Anderson Ozawa é CEO da AOzawa Consultoria, especialista em Prevenção de Perdas e Governança, consultor com mais de 40 programas de prevenção de perdas implantados com sucesso, palestrante, professor da FIA Business School e autor do livro “Pentágono de Perdas: Transformando Perdas em Lucros”