A revolução silenciosa dos pagamentos acaba de ganhar um novo capítulo: o Pix Automático, que foi lançado oficialmente e começa a funcionar no dia 16 de junho. Com ele, uma tese que defendemos desde que a novidade foi anunciada, foi finalmente confirmada: ele não veio para matar o boleto, mas sim, para substituir o velho e problemático débito automático.
A distinção importa. Por mais de duas décadas, o débito automático foi uma promessa mal resolvida de comodidade. Em tese, permitiria que contas como luz, água, gás, telefonia ou assinaturas fossem pagas com um simples clique, ou nenhum. Mas, na prática, nunca chegou perto de se tornar um meio de pagamento de massa. Apenas 11% dos consumidores de concessionárias utilizavam débito automático e em segmentos de menor poder aquisitivo, a taxa é ainda menor.
Os motivos não são difíceis de entender: a confiança na empresa cobradora sempre foi baixa. O consumidor já vivenciou inúmeras experiências negativas com cobranças indevidas, cancelamentos difíceis e pouca transparência nos valores debitados. O efeito dessas experiências não se restringe a um setor: quem teve um problema com uma operadora de telefonia, por exemplo, tende a carregar essa desconfiança para outros serviços. Isso ajuda a explicar por que tantos evitam colocar até contas essenciais, como luz e água, no débito automático. Soma-se a isso à chamada propensão marginal ao consumo de 1 em 1, em que tudo o que se ganha se consome, exigindo que o usuário tenha autonomia para decidir mês a mês o que pode, ou não, ser pago. O débito automático nunca atendeu bem essa realidade.
Por isso, desde que o Pix foi lançado, em 2020, muitos especialistas, nós incluídos, defendíamos que uma funcionalidade de recorrência seria o golpe final no débito automático e não no boleto como vários imaginavam. Ela permitiria o agendamento de pagamentos regulares com mais controle, mais transparência e, principalmente, mais interoperabilidade entre pagador e recebedor. No dia 4, durante o evento Conexão Pix, realizado em São Paulo pelo Banco Central, essa tese se materializou.
A participação de empresas como GloboPlay, Amazon, OLX e Mercado Pago entre os primeiros a aderirem ao Pix Automático, revela o protagonismo do e-commerce nessa nova fase dos pagamentos. Já no caso das utilities, há expectativa de crescimento no número de pagamentos automáticos com o Pix, mas analistas do setor estimam que esse avanço não deva ultrapassar os 5%. O grosso dos consumidores continua preferindo o boleto, o que reforça os limites estruturais ainda presentes nesse segmento.
O modelo resolve o que talvez fosse a maior dor do mercado: a integração entre quem cobra e quem recebe. Um débito automático tradicional depende de acordos com os bancos, o que impõe custos altos e pouca flexibilidade. O Pix Automático é, por desenho, mais democrático: basta que o consumidor autorize a recorrência. Isso muda a lógica de entrada de novos players no ecossistema, além de acelerar a digitalização de setores antes travados por infraestrutura analógica.
Como afirmou Gabriel Galípolo, presidente do Banco Central: “O Pix é o dinheiro que anda na velocidade do nosso tempo”, essa nova fase do Pix pode fazer por pagamentos recorrentes o que a primeira onda fez pelas transferências instantâneas: universalizar.
A confirmação dessa tese é simbólica para quem vem acompanhando a evolução do sistema financeiro brasileiro. O boleto, com todos os seus problemas, ainda cumpre uma função crítica de lembrança e controle. Já o débito automático ficou no meio do caminho: nem transparente como o boleto, nem conveniente como o Pix promete ser.
E para quem ainda duvida da velocidade dessa transformação, vale lembrar: o Pix levou menos de quatro anos para alcançar 160 milhões de usuários. O Pix Automático herda essa base e agora tem tudo para se tornar o novo padrão de pagamentos automáticos no Brasil. É gratificante ver essa visão se consolidar diante dos nossos olhos, sobretudo no e-commerce. O Pix Automático não é apenas uma inovação funcional. Ele é a vitória de um modelo mais justo, mais simples e mais alinhado ao comportamento do consumidor brasileiro.
*Vinicius Santos, fundador e CEO da Conta Comigo Digital. Formado em Economia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Vinicius também possui formação em Filosofia pela Universidade Sorbonne, em Paris (FR). Atualmente fundador e CEO da fintech Conta Comigo Digital, passou pela liderança de empresas como Navii.co, voltada ao setor marítimo e pela Acordo Aéreo, empresa com plataforma capaz de buscar indenizações aos consumidores que sofreram algum problema com empresas aéreas.